A culpa não é dos Zumbis!
Senti horror ao ser comido com desejo por um senhor alinhado
Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou grilado:
- Quem será este desgraçado dono desta zorra toda?
Raul Seixas, Metro Linha 743
Assistindo Game of Thrones, me pergunto: - Quem lidera o exército dos mortos-vivos? Qual chefe zumbi teve a ideia de amarrar as correntes no Dragão de Daenarys e retirá-lo do lago? Aliás, diga-se de passagem, uma ideia genial... para não se dizer, teleológica! Os caminhantes brancos?? Não sei ainda...
O Zumbi é um morto-vivo que se alimenta de cérebros saudáveis e não possui nenhum superpoder especial... não voa, não corre, não lança lasers... enfim, o poder do zumbi é a persistência na perseguição faminta e na multidão de seu exército, propagando-se como doenças ou vírus infectivos.
Bom, o fato é que os zumbis estão tomando conta das mídias, das ruas com seus flash mobs, e das pautas políticas de diversos países...
Os arquétipos dos monstros, Deuses, heróis, são mitos criados pelo inconsciente coletivo que se potencializam de acordo com seu significado para cada indivíduo no momento histórico...
Por exemplo... os zumbis nasceram como mitos na época das escravidões na América caribenha com os negros sendo possuídos por senhores de engenho que os manipulavam como marionetes... Daí, faz sentido para que todo um povo comece a crer que determinado homem, antes, vivo, heroico, normal, pai de família, tivesse suas forças retiradas por um branco poderoso e que passasse a controla-lo por meio de vodus ou jogo de marionetes... sem vontade própria, passam a ser comandados pelo cérebro do chefe... Os primeiros zumbis, eram apenas trabalhadores autômatos com a função de fazer o engenho girar... uma vida escrava após a morte do ser humano livre... Isso te faz lembrar de alguma coisa???
O fato é que nosso modelo de desenvolvimento também escraviza a maior parte de seu contingente populacional... retirando uma suposta liberdade em função de um trabalho repetitivo, cansativo, alienado e que gera riqueza para um patrão inexistente...
Substitui-se o ser vivo por um autômato... Os zumbis crescem em popularidade porque encontraram reflexos de significado dentro de cada coração humano... As pessoas se reconhecem como zumbis e ao mesmo tempo desejam livrar-se desse fardo de alienar suas vidas livres em função de um trabalho autômato... O inconsciente coletivo absorve esses monstros e os potencializa nas mídias...
Alimentam-se de cérebros saudáveis...
Percebam a força dessa imagem... A força da multidão animalizada, os linchamentos sem julgamento ou direito à defesa, sejam virtuais ou reais. Os massacres contra os diferentes...
Existem corações e mentes abertos a aceitar o zumbi como monstros de estimação, personagens preferidos ou desenvolvendo medo paranoico contra o raptor de suas vidas com doses de síndrome de Estocolmo.
Os zumbis são soldados de um grande exército, controlados por quem??
Daqui a pouco teremos um quizz de uma rede social com essa chamada: TESTE: Qual a sua porcentagem de zumbi?? E perguntas escabrosas como: Quanto tempo você trabalha para um patrão por dia?? Quanto tempo fica em redes sociais?? Perdeu laços familiares ao mudar-se de cidade em função de estudos ou trabalho?? Enfim... alguns orgulhar-se-ão de que suas porcentagens ultrapassem os 70%...
Na política, torna-se impossível discutir ou debater ideias com um zumbi... eles não refletem, não raciocinam, os cérebros infectados não possuem estrutura para construção dos pensamentos... Só devoram!!!!
Como diria a sabedoria de Paulo Tatit e Sandra Peres do Palavra Cantada:
“Se vem de fora ela devora - ela devora, ela devora!
(qualquer coisa que alimente)
Se for cultura, ela tritura, ela tritura!
Se o que vem é uma cantiga, ela mastiga, ela mastiga!
Ela então nunca discute, só deglute, só deglute!”
Não vou entrar no mérito dos rachas familiares e dos quebra-pau dos grupos de whatsapp, mas é evidente que as conversas não apelam para a razão nem para a boa convivência...
O que tenho visto é uma tentativa individual (dos supostos possuidores de cérebros) de sobreviver ao ataque zumbi, combatendo o sintoma... atacando ou respondendo ao ataque diretamente aos zumbis... Matando um, aparecem mil... Como Sísifos atiram na cabeça dos monstros para escaparem por mais um dia...
Claro que temos o dever de nos defendermos, mas chega uma hora em que as balas, a energia, a força ou a sanidade, acabam... inclusive vem o desejo de também ser absorvido e entregar a humanidade para a besta-fera.
Como combater a causa?? A culpa não é dos zumbis, eles são apenas o sintoma de uma doença mais profunda, que afasta e aliena o ser humano dos frutos mais nobre de seu trabalho, isola indivíduos em células de sobrevivência urbana, substituídos e descartados pela alta tecnologia, sendo nós mesmos os infectados diariamente por uma doença que sim, alastra-se geometricamente. O racismo, o machismo, a intolerância, o ódio, a violência, o preconceito, o estereótipo, a dicotomia maniqueísta, enfim, como combater a causa?
Em Guerra Mundial Z com Brad Pitt, a solução encontrada é uma vacina que infecta os indivíduos saudáveis com uma simulação de doença, uma camuflagem para que os zumbis não ataquem, já que os pútridos escolhem somente seres saudáveis. Será essa a solução? Simular certo retardo imbecil para que não detectem os cérebros pensantes? Não creio!
Sabendo disso, é claro que não dormiremos com um zumbi ao lado, mas não dá para perder tempo atacando uma horda ensandecida, com poucos armamentos e munição, ao final seremos encurralados.
Será um exército ou uma doença degenerativa? Percebam que em diversas imagens dos monstros atacando, com aquelas mãos descarnadas estendidas, parece haver um pedido de socorro desesperado, famintos por doses de humanidade, como os olhares tristes e agressivos dos viciados em crack.
Combater, significando a eliminação completa ou isolando em quarentenas para estudo e tratamento? Como isolar uma doença alastrada à pandemia?
Creio que tentar entende-los como doença, o que a gera, o ambiente insalubre que a potencializa, o gatilho que a dispara, quais os níveis tolerados de convivência, a hierarquia de sua fisiologia, a etologia do bando, os movimentos, os ritos de submissão, insubordinação, mutação, dominância, liderança, seus campos de atuação, suas armas, o território da batalha, a fonte de sua força, os objetivos estratégicos, os alvos predominantes, isolar o vírus, métodos científicos em diversas frentes de batalha, simular cenários e imaginar o possível hecatombe após sua vitória completa, ou de sua derrota!
Em outras ocasiões históricas, epidemias devastadoras foram eliminadas com introdução de hábitos simples, como lavar as mãos com água e sabão por exemplo, não como Pôncio Pilatos! (Não creio que será tão simples)
PS: Aquele quizz ainda está em minha cabeça. Qual será a porcentagem de ZUMBI em minha personalidade!??
Imagino, do outro lado, na deep web talvez, um zumbi fazendo um quizz contrário, falando em voz rouca e lenta: - Quanto de humano resta em meu coração? Porque é certo, ainda resta!