25 de março de 2019

Jura dizer a verdade, somente a verdade, e nada a mais que a verdade?

Jura dizer a verdade, somente a verdade, e nada a mais que a verdade?
Um indígena Cree respondeu à corte... Eu não posso jurar isso, porque eu não conheço a verdade, mas posso garantir que vou responder tudo o que sei...
Porque a verdade para os Cree é relativa e depende do conhecimento e da sabedoria de cada um. Com seus diferentes pontos de vistas o coletivo gera uma noção do que é verdadeiro.

20 de março de 2019

A Momo e o Flautista de Hamelin



Muitos conhecem o conto de fadas do Flautista de Hamelin, reescrito por diversas vezes, inclusive pelos Irmãos Grimm.

Resumidamente é uma cidade infestada de ratos, que alimentam-se dos estoques de comida nos armazéns e um prefeito gordo faz uma promessa de recompensa prometendo uma moeda de ouro para cada cabeça de rato. Aparece um flautista misterioso com roupas coloridas que toca uma flauta e leva todos os ratos para um rio, onde são afogados. Os cidadãos fazem uma grande festa mas esquecem do flautista, que retorna e pede a recompensa. O prefeito utiliza-se de uma artimanha e diz que o flautista não apresentou as cabeças dos ratos e por isso não recebera pagamento algum. O flautista vingativo, começa a tocar outra canção encantadora que passa a atrair todas as crianças da cidade, os adultos trancam-se na igreja. As crianças encantadas seguem o flautista para uma caverna distante onde são trancadas para sempre e nunca mais retornam. A cidade fica silenciosa e triste, com os armazéns repletos de comida e ouro guardados. Dizem que até hoje não há ratos na cidade, que inclusive foi um dos lugares intocados pela Peste Negra transmitida pela pulga dos roedores.

A história baseia-se em fatos reais, quando em 1284 na Alemanha Medieval (Saxônia) na cidade de Hamelin, diversas descrições histórias relatam o desaparecimento de 130 crianças da cidade. Ainda hoje, há inscrições nas paredes das ruas, nos vitrais das igrejas e uma rua onde não se pode dançar nem tocar música, chamada Bungelosenstrasse (Rua sem Tambores).

Há diversas teorias que tentam explicar o mistério que levou as 130 crianças embora para sempre... dizem que foi uma arregimentação dos cristãos para lutarem nas cruzadas, ou que foram vendidas para colonizarem a Romênia, já que a cidade estava em crise de alimentos e não poderia sustentar tantas bocas, há teorias de pedófilos ou serial killers que as levaram para as florestas vizinhas e ainda teorias conspirativas de abdução por alienígenas... Não há conclusões exatas do que houve de fato, no entanto as 130 crianças realmente desapareceram, mas obviamente o flautista é uma alegoria criada ao longo dos anos para representar algo mais profundo.

O fato deu origem a lenda, a história perpetuou-se no imaginário coletivo devido ao grande impacto em nossa psiquê profunda, assustando-nos sobre a possibilidade real de nossas crianças irem embora, significando a perda da perspectiva do futuro, ou a interrupção de nossa linhagem e perda da fertilidade natural.

Analisando os arquétipos das figuras, a cidade e o prefeito representam o indivíduo carregado de culpas e frustrações, que seriam os ratos... O indivíduo faz promessas e apela para meios artificiais e mágicos para livrar-se dos problemas, mas logo a mágica volta-se contra o aprendiz de feiticeiro passando a comprometer seu futuro, levando embora as perspectivas de continuidade e seus bens mais preciosos.

Tenho percebido diversos desenhos infantis, a temática do roubo de ovos, no caso dos Porcos dos Angry Birds, em um episódio da Era do Gelo (especial de Páscoa), Como Treinar seu Dragáo, Turma da Mônica, enfim...

Paralelo a isso, nossos hábitos modernos, fazem com que haja uma real diminuição da fertilidade da terra necessitando cada vez mais de químicos para que as sementes germinem e isso associa-se à queda da taxa de fertilidade humana e animal, devido ao bisfenol A (BPA), dioxina, atrazina e vários ftalatos (BBP, DEHP, DOP e DBP), presentes em quase todos os produtos que utilizamos em nosso dia a dia, com "clara evidência de perturbação da atividade endócrina, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). É comum conhecer um ou mais casais em clínicas de fertilidade tentando engravidar de todas as maneiras possíveis. Nosso futuro roubado!

Agora aparece a Momo, escultura japonesa de Keisuke Aiso, assustadora e terrível que aparece em vídeos infantis do Youtube e redes sociais, transformada num jogo macabro que desafia as crianças a suicidarem-se sem contarem nada para os pais ou as consequências serão ainda piores, ao fundo uma música hipnótica. Assisti alguns vídeos, são terríveis! Impossível não associar com a Baleia Azul!

O flautista de Hamelin reaparece na cidade tocando uma canção assustadora para raptar nossos filhos novamente, agora a doce flauta aparece em sua mão num formato retangular que emite luz, parecendo ser um celular atraente!

Alerta geral!!!! Reuniões nas escolas! Pais, bloqueiem o Youtube! Desinstalem o Whatsapp! Arranquem os tablets das crianças!!! Convocam-se autoridades!! O Ministério Público exige explicações!! Diretoras das escolas, tranquem os celulares nas gavetas!!! Mas a música do flautista segue infiltrando-se pelas frestas da sociedade, melodiosa e hipnótica como no passado, alguns pais fogem para as igrejas para rezarem e todos conversam sussurrando e apavorados pelos corredores, perguntando: - O que está acontecendo nesse mundo?? Quem é capaz de criar esse absurdo??

Também me encontro assustado, tomando todas as medidas recomendadas e refletindo sobre o que fazer, mas o fato é que outras Momos de Hamelin virão, em outros formatos de mídia, mensagens subliminares, roupagens coloridas, sussurros melosos e tentadores, jogos de desafios destrutivos, convocações aos atentados, misteriosos acordos e pactos sedutores... ninguém sabe, de onde vem e onde acaba, qual a próxima onda.

Esqueci de dizer que na história original, três crianças não seguem o flautista, uma cega, que se perde no caminho e retorna, um menino de muletas que, sendo lento, não acompanha a turba e um surdo, imune à melodia mágica, permanece em sua casa.

Obviamente o flautista, a Baleia, a Momo, pedófilos, drogas... são os vilões da história, repito, são os vilões da história, não tenhamos dúvidas, mas quantos de nós, pais, temos agido da mesma maneira que o Prefeito da Cidade, que carregado de tarefas, pequenos vícios, alegando falta de tempo, temos abdicado de nosso papel primordial de educar e acompanhar nossos filhos... Como os cidadãos adultos de Hamelin, temos acumulado problemas e realizado falsas promessas para nós mesmos, temos exigido de nossos filhos, comportamentos em que não somos exemplos... O pai se pergunta: - Quem raptou meu filho? Mas pare e pense, antes esse filho deve ter se perguntado: - Quem raptou os meus pais? Não existe espaço vazio, alguém substituirá nossa presença.

Sei que nosso tempo é curto e passamos mais tempo no trânsito que com nossos filhos, que o trabalho nos ocupa, que o patrão nos enche o saco, que a casa ta uma zona, e minha vida e minha conta no banco é uma bagunça, isso sem falar nos pais que também estão viciados em outras drogas e ausentam-se ou violentam seus filhos. Mas essas Momos aparecem como algo que nos faz parar tudo e refletir sobre o que temos sido e qual o reflexo disso na personalidade de nossos filhos.

O fato da criança surda ser imune à canção, para mim é o mais significativo, claro que não adiante tapar os ouvidos nem cegar as crianças. Há que preencher esses sentidos com muito diálogo e carinho, educando-os para que não cedam à sedução misteriosa ou ao medo de ameaças alheias, tendo em sua família os soldados de primeira linha, pois confia no exemplo e nas conversas com os pais, as pessoas que mais confiam e que tem o dever se conversar e explicar todos os assuntos desse mundo, sem tabus ou terceirização da educação para a internet, onde não importa o rosa ou o azul, príncipes ou princesas, há que colocar-se ao nível das crianças mas sendo real e objetivo.

Para que entendam as ameaças concretas contidas nas entrelinhas dos estranhos sedutores, que denunciem as violências, conversem sobre abusos, defendam-se da agressão e bullying, entendam sobre sexualidade, respeitem o diferente e principalmente que brinquem e dialoguem com a família.

Repletas de boas experiências e de laços familiares e comunitários, serão surdas para qualquer tipo de violência, mas com bons ouvidos para a realidade, para as conversas e o carinho de seus pais.  



19 de março de 2019

Embora...

Vamos! Não importa, já decidimos...
Porque podemos e desejamos
Ser os exemplos de estarmos vivos
Pra nossos filhos, fora dos trilhos!
Não vamos embora, vamos a diante!
Vamos em busca de um horizonte!

Temos saúde, não somos jovens
Somos cientes, somos maduros... (e daí?)
No los mejores, ni los más grandes
Temos coragem, um resto de sangue
Fervendo, e duas crianças... (E aí?)

Mas a família? Assim perguntam.
- Vai tudo junto! Como ciganos.
Fizemos planos, longos projetos.
Embola os trapos, estamos prontos!

Mas o trabalho, a estrutura, a segurança?
A retaguarda da caravana ta preparada e
a sepultura da aventura não está pronta!

Há muito suspiro, muita saudade e
Um resto de força para a mudança!

Uma fagulha, uma bagunça, uma esperança!

A culpa não é dos Zumbis!

A culpa não é dos Zumbis!



Senti horror ao ser comido com desejo por um senhor alinhado
Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou grilado:
 - Quem será este desgraçado dono desta zorra toda?
Raul Seixas, Metro Linha 743



Assistindo Game of Thrones, me pergunto: - Quem lidera o exército dos mortos-vivos? Qual chefe zumbi teve a ideia de amarrar as correntes no Dragão de Daenarys e retirá-lo do lago? Aliás, diga-se de passagem, uma ideia genial... para não se dizer, teleológica! Os caminhantes brancos?? Não sei ainda...

O Zumbi é um morto-vivo que se alimenta de cérebros saudáveis e não possui nenhum superpoder especial... não voa, não corre, não lança lasers... enfim, o poder do zumbi é a persistência na perseguição faminta e na multidão de seu exército, propagando-se como doenças ou vírus infectivos.

Bom, o fato é que os zumbis estão tomando conta das mídias, das ruas com seus flash mobs, e das pautas políticas de diversos países...

Os arquétipos dos monstros, Deuses, heróis, são mitos criados pelo inconsciente coletivo que se potencializam de acordo com seu significado para cada indivíduo no momento histórico...

Por exemplo... os zumbis nasceram como mitos na época das escravidões na América caribenha com os negros sendo possuídos por senhores de engenho que os manipulavam como marionetes... Daí, faz sentido para que todo um povo comece a crer que determinado homem, antes, vivo, heroico, normal, pai de família, tivesse suas forças retiradas por um branco poderoso e que passasse a controla-lo por meio de vodus ou jogo de marionetes... sem vontade própria, passam a ser comandados pelo cérebro do chefe... Os primeiros zumbis, eram apenas trabalhadores autômatos com a função de fazer o engenho girar... uma vida escrava após a morte do ser humano livre... Isso te faz lembrar de alguma coisa???

O fato é que nosso modelo de desenvolvimento também escraviza a maior parte de seu contingente populacional... retirando uma suposta liberdade em função de um trabalho repetitivo, cansativo, alienado e que gera riqueza para um patrão inexistente...

Substitui-se o ser vivo por um autômato... Os zumbis crescem em popularidade porque encontraram reflexos de significado dentro de cada coração humano... As pessoas se reconhecem como zumbis e ao mesmo tempo desejam livrar-se desse fardo de alienar suas vidas livres em função de um trabalho autômato... O inconsciente coletivo absorve esses monstros e os potencializa nas mídias...

Alimentam-se de cérebros saudáveis...

Percebam a força dessa imagem... A força da multidão animalizada, os linchamentos sem julgamento ou direito à defesa, sejam virtuais ou reais. Os massacres contra os diferentes...

Existem corações e mentes abertos a aceitar o zumbi como monstros de estimação, personagens preferidos ou desenvolvendo medo paranoico contra o raptor de suas vidas com doses de síndrome de Estocolmo.

Os zumbis são soldados de um grande exército, controlados por quem??

Daqui a pouco teremos um quizz de uma rede social com essa chamada: TESTE: Qual a sua porcentagem de zumbi?? E perguntas escabrosas como: Quanto tempo você trabalha para um patrão por dia?? Quanto tempo fica em redes sociais?? Perdeu laços familiares ao mudar-se de cidade em função de estudos ou trabalho?? Enfim... alguns orgulhar-se-ão de que suas porcentagens ultrapassem os 70%...

Na política, torna-se impossível discutir ou debater ideias com um zumbi... eles não refletem, não raciocinam, os cérebros infectados não possuem estrutura para construção dos pensamentos... Só devoram!!!!

Como diria a sabedoria de Paulo Tatit e Sandra Peres do Palavra Cantada:


“Se vem de fora ela devora - ela devora, ela devora!
(qualquer coisa que alimente)
Se for cultura, ela tritura, ela tritura!
Se o que vem é uma cantiga, ela mastiga, ela mastiga!
Ela então nunca discute, só deglute, só deglute!”



Não vou entrar no mérito dos rachas familiares e dos quebra-pau dos grupos de whatsapp, mas é evidente que as conversas não apelam para a razão nem para a boa convivência...  

O que tenho visto é uma tentativa individual (dos supostos possuidores de cérebros) de sobreviver ao ataque zumbi, combatendo o sintoma... atacando ou respondendo ao ataque diretamente aos zumbis... Matando um, aparecem mil... Como Sísifos atiram na cabeça dos monstros para escaparem por mais um dia...

Claro que temos o dever de nos defendermos, mas chega uma hora em que as balas, a energia, a força ou a sanidade, acabam... inclusive vem o desejo de também ser absorvido e entregar a humanidade para a besta-fera.

Como combater a causa?? A culpa não é dos zumbis, eles são apenas o sintoma de uma doença mais profunda, que afasta e aliena o ser humano dos frutos mais nobre de seu trabalho, isola indivíduos em células de sobrevivência urbana, substituídos e descartados pela alta tecnologia, sendo nós mesmos os infectados diariamente por uma doença que sim, alastra-se geometricamente. O racismo, o machismo, a intolerância, o ódio, a violência, o preconceito, o estereótipo, a dicotomia maniqueísta, enfim, como combater a causa?

Em Guerra Mundial Z com Brad Pitt, a solução encontrada é uma vacina que infecta os indivíduos saudáveis com uma simulação de doença, uma camuflagem para que os zumbis não ataquem, já que os pútridos escolhem somente seres saudáveis. Será essa a solução? Simular certo retardo imbecil para que não detectem os cérebros pensantes? Não creio!

Sabendo disso, é claro que não dormiremos com um zumbi ao lado, mas não dá para perder tempo atacando uma horda ensandecida, com poucos armamentos e munição, ao final seremos encurralados.

Será um exército ou uma doença degenerativa? Percebam que em diversas imagens dos monstros atacando, com aquelas mãos descarnadas estendidas, parece haver um pedido de socorro desesperado, famintos por doses de humanidade, como os olhares tristes e agressivos dos viciados em crack.

Combater, significando a eliminação completa ou isolando em quarentenas para estudo e tratamento? Como isolar uma doença alastrada à pandemia?

Creio que tentar entende-los como doença, o que a gera, o ambiente insalubre que a potencializa, o gatilho que a dispara, quais os níveis tolerados de convivência, a hierarquia de sua fisiologia, a etologia do bando, os movimentos, os ritos de submissão, insubordinação, mutação, dominância, liderança, seus campos de atuação, suas armas, o território da batalha, a fonte de sua força, os objetivos estratégicos, os alvos predominantes, isolar o vírus, métodos científicos em diversas frentes de batalha, simular cenários e imaginar o possível hecatombe após sua vitória completa, ou de sua derrota!

Em outras ocasiões históricas, epidemias devastadoras foram eliminadas com introdução de hábitos simples, como lavar as mãos com água e sabão por exemplo, não como Pôncio Pilatos! (Não creio que será tão simples)

PS: Aquele quizz ainda está em minha cabeça. Qual será a porcentagem de ZUMBI em minha personalidade!??

Imagino, do outro lado, na deep web talvez, um zumbi fazendo um quizz contrário, falando em voz rouca e lenta: - Quanto de humano resta em meu coração?  Porque é certo, ainda resta!