Mudanças
de Domingos Pellegrini Jr.
Lamparinas, luz de velas... São lanternas japonesas! Me parecem ser estrelas, com certeza são eternas!
de Domingos Pellegrini Jr.
Duas crianças discutem no portão da escola:
- Meu pai é mais bonito!
- O meu é mais forte!
- O meu é amigo do Batman!
- O meu tem uma serra elétrica!
Assim seguem até quase ficarem violentos!
Os pais se aproximam, observam, escutam... Percebendo que foram flagradas, as crianças calam!
Os pais se cumprimentam respeitosos e sorrindo... Coisa de criança!
Um diz:
- Filho, papai não precisa que me defenda, nem tenho serrote!
O outro:
- Eu também não filho, e nunca fui à Gotham City!
Saem...
No caminho de volta, um dos filhos fala ao pai:
- Papai, eu sei que não preciso te defender, mas eu fiz isso só para que a minha crença em você não diminua nunca!
Às vezes, as pessoas defendem acirradamente seus Deuses com medo de verem a sua fé diminuída.
Se existe um Deus, ele não precisa de nossa defesa, de nosso culto, de nossa fé... em realidade, não necessita de nossa crença...
Se precisasse, seria um Deus fraco demais, talvez humano!
Um náufrago, tentando sair da ilha!
Corta coqueiro, amarra cipós, tudo meio embolado, constrói
a jangada... afunda... volta nadando!
No outro dia, a mesma rotina, corta bambu, faz uns
ajustes, amarra mais firme... afunda... volta nadando!
Apruma os remos, nivela o fundo, vai melhorando, se
cansa... sua... parte, naufraga...
Todos os dias... incansavelmente... trabalha!
Serra com pedras, corta com dentes, tentando voltar
à casa... desesperadamente!
Na água seu bote desmaia... retorna nadando...
Exausto, pensa em velas, em mastros, em rotas... se
acalma, calcula... a obra diária persiste!
Insiste em ser capitão, de um navio fantasma!
Um náufrago tornado operário... se espanta ao
perceber sangue nos calos!
Tentando sair da Ilha...
O mar se faz mais gigante a cada tentativa que
falha... trabalha!
Garimpa um resto de força... os dias se acumulam,
os meses... os anos... os músculos emergem no peito, seu braço engrossa qual
tronco!
Um naufrago se alimenta... de sonhos!
Enxerga o invisível dos mares, as noites de lua,
correntes... serpentes onde cavalga
São as mesmas tentativas, um tronco, dois troncos, três
troncos! Numa repetição contínua!
O medo já o persegue... em cada naufrágio consegue
ir mais longe, mas quando retorna nadando, o esforço é sempre maior, mais
riscos de peixes profundos!
Os ventos, as tempestades... sozinho enfrenta
Netuno...
Nem tudo esta perdido...
Nunca sairá da Ilha!
...
Conta seus dias... 10 anos... ou quinze...
Retoma a obra do barco... jangada ou navio,
caiaque, escuna... de tudo tentado um dia...
Projetos, formatos, em braças, em metros,
laçadas... faz boias para retornar à praia, imaginando o erro não calculado, a
falta de fé não faz falta, naufragar todo dia é o certo!
Um dia, não mais que um dia, como o leitor
imagina... o vento sopra favorável, a lua amansa as marés, combina com o molde
do barco, a vela no prumo correto... flutua veloz rumo ao alvo, até Netuno
empresta-lhe o cetro.
Como se fosse fácil, tudo anda de acordo com o
plano... Almirante de sua esquadra...
O visitador do passado
- Eu viajo no tempo!
Foi quando ele disse essa frase que
me assustei! Até o momento, eu o considerava apenas um sujeito peculiar, que aparecia
eventualmente em notinhas do jornal semanal impresso, colunas sobre a história
do lugar, causos, receitas de pratos típicos...
Era excêntrico, com seu terninho
uniformal e seu chapéu de caboclo. Parecia desconectado com as corriqueirices
do cotidiano! Em cidade pequena, é normal esbarrar com uma mesma pessoa por
várias vezes durante uma semana.
No entanto, nesta semana, parecia
que eu já o havia avistado pelo menos 2 vezes por dia. No mercado, padaria,
caminhando pelo parque, mas estranhei quando o percebi estando aglomerado no
meio dos pais, aguardando abrir o portão da escola.
Naquela multidão burburinhante,
depois de 3 anos cumprindo o ritual do portão, é comum conhecer cada responsável
ali... Avós, tios, mãe, irmãos mais velhos... mas notar essa figura particular
ali no meio era esquisito demais, sei que não tem ninguém o esperando ali
dentro.
A pulga coçou atrás da orelha...
peguei meus filhos, perguntei como foi o dia... se brincaram, se lancharam, que
aprenderam... Cotidianices. E resolvi seguir com os olhos esse sujeitinho
esbarrador que me encontrava seguido!
Parei no quiosquinho do sorvete
para percebe-lo melhor, meus filhos surpreenderam-se com o gelado! Fiquei ali
de butuca, meus filhos se lambuzando... e BINGO!
Como eu pensava. O sujeito se
desmisturou do meio dos pais afobados e seguiu tranquilo seu caminho... Parecia
estar ali só para esbarrar comigo, não podem haver tantas coincidências em uma
única semana!
No outro dia, na fila do banco, atrás
de mim, o tipo quase me cutucando.
Puxou conversa:
- Será que chove hoje? Tá preteando
o céu né?
Dentro do banco a meia hora, não sabia
como estava la fora, mas lembrava que o céu estava limpíssimo, sem sombra de
nuvem!
- Talvez chova, pode ser...
- Vai chover, certeza! Ainda bem
que eu trouxe dois guarda chuvas!
- Tomara que não, to cheio de papel
na maleta e tenho que caminhar até o cartório e chegar antes das 17h, mas não
trouxe nada para me proteger!
- Por isso eu trouxe dois guarda
chuvas, pode ficar com um!
- Imagina, obviamente não vai
chover, o dia está lin... CATAPUM! Um estalo de trovão tremeu o chão e piscaram
as luzes! Bom... parece que vou aceitar seu guarda chuva, mas só porque tenho
que sair correndo daqui para o cartório!
Chamaram meu número – 22! Aceitei a
oferta, agradeci e na pressa, esqueci de perguntar como o devolveria... girei a
cabeça para ver se o encontrava em meio aos caixas eletrônicos, mas o tipo já
havia sumido... novamente, pareceu que foi ao banco somente para me encontrar.
Corri para o cartório com meus
documentos protegidos, protocolei a papelada a tempo de cumprir o prazo
contratual, a multa pelo atraso seria exorbitante.
Um fusca amarelo aproximou-se e
Josué, acenando, ofereceu uma carona.
Nestor, era o nome do estranho esbarrador!
Como eu havia emprestado o
guarda-chuva, senti-me constrangido em não aceitar a segunda oferta do dia... e
entrei no carro, perguntando para onde ele estava indo!
- Estou indo na direção de sua
casa!
- Então aceito de bom grado.
- Martim! Quero te contar uma
coisa!
Sim, ele sabia meu nome e onde eu
morava, mas isso é normal em nossa cidade, apesar de eu nunca ter tido uma
conversa direta com o amigo!
- Mas... Nestor, desculpe ser direto... mas não
to entendendo essa aproximação repentina!
Contei-lhe minhas observações detetívicas!
- Sim, Martim, mais óbvio
impossível, tenho tentado aproximar-me de você a alguns dias... Espero não te
assustar. Mas eu recebi um recado. Esta noite você deve dormir com suas janelas
abertas!
- Como assim? Eu vindo de cidade
grande, paranoico com assaltos, mosquitos, friagem... Mandei colocar blindex e tranco
tudo com cadeado, Imagine seu Nestor?
Parou o carro na sombra de um arvoredo,
olhou-me no fundo dos olhos, sem pestanejar!
- Faça o que eu digo! Abra suas
janelas esta noite! Somente esta noite! Foi o recado que recebi.
- Mas como? Que recado, como alguém
te falaria isso, abrir as janelas? Eu? De onde essa ideia...
Nestor suspirou, não disse mais
nada... apenas sorriu mansamente, transmitindo muita segurança!
Ligou o carro e seguiu me deixando
atônito no portão.
Cheguei em casa um pouco mais cedo
do que o costume, sentei na mesa da cozinha e contei o ocorrido à minha esposa.
Ela, sendo nativa da cidade e conhecedora da fama do Seu Nestor, aceitou a sugestão
como ordem, e a noite, todas as janelas escancaradas e eu apavorado lutando
contra o medo, os mosquitos e enrolado nas cobertas. Adormeci contra a vontade