13 de agosto de 2020

O visitador do passado

O visitador do passado

- Eu viajo no tempo!

Foi quando ele disse essa frase que me assustei! Até o momento, eu o considerava apenas um sujeito peculiar, que aparecia eventualmente em notinhas do jornal semanal impresso, colunas sobre a história do lugar, causos, receitas de pratos típicos...

Era excêntrico, com seu terninho uniformal e seu chapéu de caboclo. Parecia desconectado com as corriqueirices do cotidiano! Em cidade pequena, é normal esbarrar com uma mesma pessoa por várias vezes durante uma semana.

No entanto, nesta semana, parecia que eu já o havia avistado pelo menos 2 vezes por dia. No mercado, padaria, caminhando pelo parque, mas estranhei quando o percebi estando aglomerado no meio dos pais, aguardando abrir o portão da escola.

Naquela multidão burburinhante, depois de 3 anos cumprindo o ritual do portão, é comum conhecer cada responsável ali... Avós, tios, mãe, irmãos mais velhos... mas notar essa figura particular ali no meio era esquisito demais, sei que não tem ninguém o esperando ali dentro.

A pulga coçou atrás da orelha... peguei meus filhos, perguntei como foi o dia... se brincaram, se lancharam, que aprenderam... Cotidianices. E resolvi seguir com os olhos esse sujeitinho esbarrador que me encontrava seguido!

Parei no quiosquinho do sorvete para percebe-lo melhor, meus filhos surpreenderam-se com o gelado! Fiquei ali de butuca, meus filhos se lambuzando... e BINGO!

Como eu pensava. O sujeito se desmisturou do meio dos pais afobados e seguiu tranquilo seu caminho... Parecia estar ali só para esbarrar comigo, não podem haver tantas coincidências em uma única semana!

No outro dia, na fila do banco, atrás de mim, o tipo quase me cutucando.

Puxou conversa:

- Será que chove hoje? Tá preteando o céu né?

Dentro do banco a meia hora, não sabia como estava la fora, mas lembrava que o céu estava limpíssimo, sem sombra de nuvem!

- Talvez chova, pode ser...

- Vai chover, certeza! Ainda bem que eu trouxe dois guarda chuvas!

- Tomara que não, to cheio de papel na maleta e tenho que caminhar até o cartório e chegar antes das 17h, mas não trouxe nada para me proteger!

- Por isso eu trouxe dois guarda chuvas, pode ficar com um!

- Imagina, obviamente não vai chover, o dia está lin... CATAPUM! Um estalo de trovão tremeu o chão e piscaram as luzes! Bom... parece que vou aceitar seu guarda chuva, mas só porque tenho que sair correndo daqui para o cartório!

Chamaram meu número – 22! Aceitei a oferta, agradeci e na pressa, esqueci de perguntar como o devolveria... girei a cabeça para ver se o encontrava em meio aos caixas eletrônicos, mas o tipo já havia sumido... novamente, pareceu que foi ao banco somente para me encontrar.

Corri para o cartório com meus documentos protegidos, protocolei a papelada a tempo de cumprir o prazo contratual, a multa pelo atraso seria exorbitante.

Um fusca amarelo aproximou-se e Josué, acenando, ofereceu uma carona.

Nestor, era o nome do estranho esbarrador!

Como eu havia emprestado o guarda-chuva, senti-me constrangido em não aceitar a segunda oferta do dia... e entrei no carro, perguntando para onde ele estava indo!

- Estou indo na direção de sua casa!

- Então aceito de bom grado.

- Martim! Quero te contar uma coisa!

Sim, ele sabia meu nome e onde eu morava, mas isso é normal em nossa cidade, apesar de eu nunca ter tido uma conversa direta com o amigo!

 - Mas... Nestor, desculpe ser direto... mas não to entendendo essa aproximação repentina!

Contei-lhe minhas observações detetívicas!

- Sim, Martim, mais óbvio impossível, tenho tentado aproximar-me de você a alguns dias... Espero não te assustar. Mas eu recebi um recado. Esta noite você deve dormir com suas janelas abertas!

- Como assim? Eu vindo de cidade grande, paranoico com assaltos, mosquitos, friagem... Mandei colocar blindex e tranco tudo com cadeado, Imagine seu Nestor?

Parou o carro na sombra de um arvoredo, olhou-me no fundo dos olhos, sem pestanejar!

- Faça o que eu digo! Abra suas janelas esta noite! Somente esta noite! Foi o recado que recebi.

- Mas como? Que recado, como alguém te falaria isso, abrir as janelas? Eu? De onde essa ideia...

Nestor suspirou, não disse mais nada... apenas sorriu mansamente, transmitindo muita segurança!

Ligou o carro e seguiu me deixando atônito no portão.

Cheguei em casa um pouco mais cedo do que o costume, sentei na mesa da cozinha e contei o ocorrido à minha esposa. Ela, sendo nativa da cidade e conhecedora da fama do Seu Nestor, aceitou a sugestão como ordem, e a noite, todas as janelas escancaradas e eu apavorado lutando contra o medo, os mosquitos e enrolado nas cobertas. Adormeci contra a vontade


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