O visitador do passado
- Eu viajo no tempo!
Foi quando ele disse essa frase que
me assustei! Até o momento, eu o considerava apenas um sujeito peculiar, que aparecia
eventualmente em notinhas do jornal semanal impresso, colunas sobre a história
do lugar, causos, receitas de pratos típicos...
Era excêntrico, com seu terninho
uniformal e seu chapéu de caboclo. Parecia desconectado com as corriqueirices
do cotidiano! Em cidade pequena, é normal esbarrar com uma mesma pessoa por
várias vezes durante uma semana.
No entanto, nesta semana, parecia
que eu já o havia avistado pelo menos 2 vezes por dia. No mercado, padaria,
caminhando pelo parque, mas estranhei quando o percebi estando aglomerado no
meio dos pais, aguardando abrir o portão da escola.
Naquela multidão burburinhante,
depois de 3 anos cumprindo o ritual do portão, é comum conhecer cada responsável
ali... Avós, tios, mãe, irmãos mais velhos... mas notar essa figura particular
ali no meio era esquisito demais, sei que não tem ninguém o esperando ali
dentro.
A pulga coçou atrás da orelha...
peguei meus filhos, perguntei como foi o dia... se brincaram, se lancharam, que
aprenderam... Cotidianices. E resolvi seguir com os olhos esse sujeitinho
esbarrador que me encontrava seguido!
Parei no quiosquinho do sorvete
para percebe-lo melhor, meus filhos surpreenderam-se com o gelado! Fiquei ali
de butuca, meus filhos se lambuzando... e BINGO!
Como eu pensava. O sujeito se
desmisturou do meio dos pais afobados e seguiu tranquilo seu caminho... Parecia
estar ali só para esbarrar comigo, não podem haver tantas coincidências em uma
única semana!
No outro dia, na fila do banco, atrás
de mim, o tipo quase me cutucando.
Puxou conversa:
- Será que chove hoje? Tá preteando
o céu né?
Dentro do banco a meia hora, não sabia
como estava la fora, mas lembrava que o céu estava limpíssimo, sem sombra de
nuvem!
- Talvez chova, pode ser...
- Vai chover, certeza! Ainda bem
que eu trouxe dois guarda chuvas!
- Tomara que não, to cheio de papel
na maleta e tenho que caminhar até o cartório e chegar antes das 17h, mas não
trouxe nada para me proteger!
- Por isso eu trouxe dois guarda
chuvas, pode ficar com um!
- Imagina, obviamente não vai
chover, o dia está lin... CATAPUM! Um estalo de trovão tremeu o chão e piscaram
as luzes! Bom... parece que vou aceitar seu guarda chuva, mas só porque tenho
que sair correndo daqui para o cartório!
Chamaram meu número – 22! Aceitei a
oferta, agradeci e na pressa, esqueci de perguntar como o devolveria... girei a
cabeça para ver se o encontrava em meio aos caixas eletrônicos, mas o tipo já
havia sumido... novamente, pareceu que foi ao banco somente para me encontrar.
Corri para o cartório com meus
documentos protegidos, protocolei a papelada a tempo de cumprir o prazo
contratual, a multa pelo atraso seria exorbitante.
Um fusca amarelo aproximou-se e
Josué, acenando, ofereceu uma carona.
Nestor, era o nome do estranho esbarrador!
Como eu havia emprestado o
guarda-chuva, senti-me constrangido em não aceitar a segunda oferta do dia... e
entrei no carro, perguntando para onde ele estava indo!
- Estou indo na direção de sua
casa!
- Então aceito de bom grado.
- Martim! Quero te contar uma
coisa!
Sim, ele sabia meu nome e onde eu
morava, mas isso é normal em nossa cidade, apesar de eu nunca ter tido uma
conversa direta com o amigo!
- Mas... Nestor, desculpe ser direto... mas não
to entendendo essa aproximação repentina!
Contei-lhe minhas observações detetívicas!
- Sim, Martim, mais óbvio
impossível, tenho tentado aproximar-me de você a alguns dias... Espero não te
assustar. Mas eu recebi um recado. Esta noite você deve dormir com suas janelas
abertas!
- Como assim? Eu vindo de cidade
grande, paranoico com assaltos, mosquitos, friagem... Mandei colocar blindex e tranco
tudo com cadeado, Imagine seu Nestor?
Parou o carro na sombra de um arvoredo,
olhou-me no fundo dos olhos, sem pestanejar!
- Faça o que eu digo! Abra suas
janelas esta noite! Somente esta noite! Foi o recado que recebi.
- Mas como? Que recado, como alguém
te falaria isso, abrir as janelas? Eu? De onde essa ideia...
Nestor suspirou, não disse mais
nada... apenas sorriu mansamente, transmitindo muita segurança!
Ligou o carro e seguiu me deixando
atônito no portão.
Cheguei em casa um pouco mais cedo
do que o costume, sentei na mesa da cozinha e contei o ocorrido à minha esposa.
Ela, sendo nativa da cidade e conhecedora da fama do Seu Nestor, aceitou a sugestão
como ordem, e a noite, todas as janelas escancaradas e eu apavorado lutando
contra o medo, os mosquitos e enrolado nas cobertas. Adormeci contra a vontade